quinta-feira, 7 de junho de 2012

Freud e a Educação

Considerações sobre o livro...

As primeiras considerações são referente ao desenrolar do texto, o qual não se apresenta de uma maneira simplista, linear, o texto se apresenta de uma maneira acopladora, um desenvolvimento em espiral de seus conteúdos, os quais se ampliam na medida que fortalecem, esclarecem e exemplificam ainda mais o que já foi dito. Além disso, do começo ao fim nos apresenta um mesmo objetivo, de esclarecer que a Psicanálise pode colaborar para os sujeitos que fazem parte do processo de educação/aprendizagem mas não contribui para o processo em si como uma metodologia, haja visto  que o principio da Psicanálise é o inconsciente, o que pode estar menos presente nesse processo para que o mesmo aconteça por meio do recalque das ações primárias.

Particularmente gostei muito, livro de fácil leitura e interpretação, e até mesmo sem ter uma grande orientação psicanalítica percebi que minhas ações como educadora e agora como orientadora de educadores tem inspirações psicanalíticas, compreendendo é claro que me falta muito, tanto da parte de análise pessoal quanto de “assassinato” do meu mestre para se chegar ao desejado, porém compreendo que é caminhando que se faz o caminho.

No início do livro já percebo um grande presente no prefácio escrito por Paulo Cesar Souza, onde no primeiro parágrafo diz “a criança deve aprender a dominar seus instintos. É impossível lhe dar liberdade para seguir sem restrições de seus impulsos”. Fica claro aqui, que só podemos ser donos daquilo que possuímos e com isso podemos negá-lo ou seguí-lo, ou seja, para se ter uma sociedade com pessoas livres, faz-se necessário a contenção dos impulsos instintivos para que possa se organizar, e o sujeito, ao tornar-se adulto, fazer suas escolhas livre por ter tido disciplina em sua formação.

Pesando que ao se dar liberdade às crianças estas seriam menos neuróticas e angustiadas, já em seu início, as pesquisas psicanalíticas perceberam que a ausência de restrições poderiam produzir delinquentes, e que a repressão excessiva pode causar distúrbios neuróticos. Descobriu-se ainda que as angústias são inevitáveis à infância, e que estas são constitutivas do indivíduo, desde seu caráter à sua sexualidade.

E Souza finaliza o prefácio do livro dizendo que “na escola como na vida, nós aprendemos por amor a alguém”, frase essa a ser bem elucidada nas págs. 63/64, onde a autora apresenta “Quer-se entender como uma criança pensa? Leia-se Piaget. Quer-se entender o que é que sente uma criança, ou por que é agressiva? Leia-se Freud”, ficando claro que Freud vem propor uma explicação sobre a aprendizagem cognitiva da criança, mas sim afetivo-social.

O primeiro capítulo é composto por três subcapítulos, no primeiro, a autora retrata toda a vida de Freud, o que torna fácil a compreensão posterior de sua(s) teoria(s). Todo o seu percurso teórico foi embasado em suas vivências pessoais, desde rever sua infância até seu relacionamento/análise de sua relação com os filhos. O que faz da Psicanálise um tanto quanto humanizada, pois para mim, parece que a teoria de Freud “nasce com ele” e não a partir de seus estudos acadêmicos, é um tanto quanto diferenciada.

No segundo subcapítulo, começa-se a desenvolver de fato as ideias da Teoria de Freud, apresentando a relação da educação com a sexualidade e de outros termos como as pulsões e sublimação. Esta última foi para mim, é a que mais se destacou, pois a sexualidade definida por Freud não diz respeito somente a genitalidade, compõem toda a corporeidade do sujeito, definindo as fases psicossexuais de desenvolvimento, sendo estas a fase oral, anal e genital. Ora, se a sexualidade da criança está concentrada em lugares diferentes do corpo em diferentes fases da vida, esta tem uma razão diferenciada de aprendizagem para cada período.

A pulsão sexual, desta forma, é passível de sublimação, tendo a educação papel fundamental nesse processo. A autora explica que “uma pulsão é dita sublimada quando deriva para um alvo não-sexual” e continua “a energia que empurra a pulsão continua a ser sexual, seu nome, já consagrado é libido, porém o objeto não é mais”. Nestas fases, até mesmo por conta do recalque da educação há uma espécie de excesso libidinal (que chamamos vulgarmente de “energia” e/ou curiosidade) que deve ser reaproveitado para atividades educativas, as quais trazem um prazer pela descoberta e apropriação de conhecimento e habilidades, ou seja, todas aquelas que promovem um aumento do bem-estar e qualidade de vida, proporcionando com estas descobertas ou atividades um grande prazer, conseguindo dar uma “função” para tal pulsão.

Porém em nossa atual sociedade, temos algumas situações novas e outras nem tanto. Continuamos apresentando um processo educativo conteudista, severo, punitivo e desmotivante para as crianças, desde o ambiente até os professores, os quais as crianças deveriam ter elevada admiração e servir de inspiração e bom modelo. Temos também uma conotação sexual demasiadamente explícita, nas roupas, músicas e rituais familiares/sociais.

No primeiro exposto percebemos que o ambiente escolar e todo o seu contexto não consegue oferecer tal prazer por meio da educação, salvo alguns poucos professores e metodologias de ensino, porém não é essa a realidade da escola pública brasileira. E além disso, no segundo exposto, percebemos uma sociedade sexualizada (genitalmente) pela exposição e culto ao corpo, a popularização de músicas com letras e danças demasiadamente sexuais e a extrema falta de valores morais familiares, fazendo com que toda essa pulsão infantil, que deveria ser revertida no prazer de aprender seja satisfeita pelos rituais sociais de grande conotação sexual.

Além disso, os educadores que pouco conhecem ou fazem por onde conhecer a Psicanálise, recalcam demasiadamente as pulsões infantis. A autora dá um bom exemplo de como utilizar a Psicanálise para orientar as ações dos educadores, terá a criança numa certa idade curiosidade por suas fezes, tendo com isso o desejo de manipulá-las, parte dessa pulsão deve ser reprimida, parte irá compor sua sexualidade genital e parte será sublimada, ou seja, poderá se transformar por exemplo, na atividade de esculpir em argila. Nesse ultimo movimento existe somente um objeto dessexualizado, tendo contudo uma energia orientando isso, que é a libido, transformando o “desejo de manipular” as fezes numa atividade educativa sublimada, ou seja, equivalente para a pulsão infantil. Caso a repressão às pulsões da criança seja grande, poderá nesse caso, originar uma neurose obsessiva por limpeza. Porém destaca a autora que Freud destaca que sem sublimação não há cultura, e complemento que produção cultural não é cultura. Fazendo uso desse conhecimento, o educador pode tirar bom proveito dessas pulsões para a curiosidade intelectual e produzir com isso conhecimento com e para  criança.

Mais adiante no texto temos uma ideia que foi mais desenvolvida por Reich e Marcuse sobre o fato da repressão sexual ter um fator político, servindo a sua opressão para a submissão e manipulação das massas. Fazendo uso em beneficio próprio as classes sociais no poder da repressão já instalada por outros meio. Valendo-se disso, um bom educador deve buscar para seu educando o equilíbrio entre o prazer individual e as necessidades sociais.

Ao final do segundo capítulo aborda-se a educação sexual de crianças, que devem ser informadas assim que demonstrarem interesse sobre o assunto, não sendo demasiado aprofundado e nem fantasioso, porém é notado por Freud uma grande dificuldade de pais e professores tratarem desse assunto, por este ainda não estar bem resolvido em sua infância. Aqui a autora faz observações pertinentes aos educadores, que a qualidade da educação que se propicia está ligado intimamente as soluções e lida dos adultos com suas angústias e neuroses infantis, tendo que estar este disposto a rever alguns fatos da infância para poder operá-los de maneira impessoal, vazia. Destaca ela “é necessário que o educador se reconcilie, volte a ficar de bem com a criança que há dentro dele”, sendo esta possível por meio de análise, seja ela auto-análise ou por meio de um profissional.

Dois fatores importantes destacados no terceiro subcapítulo são as pulsões de vida e pulsões de morte, e o princípio de prazer e princípio de realidade. No conflito entre estas duas pulsões é que surge o desenvolvimento consciente, pois as pulsões de vida nos levam a nos movimentar, a descobrir coisas novas, já a pulsão de morte nos leva a acomodação, a imobilidade. Já o princípio do prazer nos levar a satisfação e nossas vontades, instintos, pulsões e o princípio de realidade é o autoregulador de tais vontades.

Inicia-se o segundo capítulo apresentando as ideias das fases de desenvolvimento psicossexual, onde se constitui a primeira fase oral, onde predominam os interesses ligados à boca, uma segunda fase anal, onde os interesses se ligam ao prazer de defecar e de manipular as fezes, e uma terceira fase fálica, ligada ao interesse pelo pênis/falo. Nesta última fase é onde acontece o Complexo de Édipo e a castração. E é pelo Complexo de Édipo que a criança aprende a ser uma mulher ou um homem segundo modelos fornecidos pelo pai e pela mãe ou por quem quer que venha ocupar essa função, é uma estrutura a qual o ser humano define-se como ser sexuado.

Uma questão muito importante já tratada pela autora, é a incapacidade de lidar com a sexualidade da criança, tanto por parte dos pais quanto por parte dos professores. Mais a frente a autora complementa que outro aspecto de difícil de ser trabalhado por estes atores é a agressividade, que normalmente é somente reprimida em determinados tempo/espaço mas não é trabalhada, educada, aparecendo de maneira desenfreada em outros tempos/espaços. Questões estas que põem um grande hiato entre Psicanálise e Educação, já que em nossa educação tradicional pública ainda se mantém o professor como o detentor do saber e pessoa suficientemente boa para suprir as necessidades de desenvolvimento da criança, quando a Psicanálise propõem a escuta e a compreensão da transferência como condições primordiais para a relação analista-analisando e/ou professor-aluno, e acima de tudo utiliza-se do inconsciente e para tal não há método de controle, como feito pela Educação com seus métodos para trabalhos o consciente e semiconsciente.

Outro fator que impossibilita tal relação é o fato de o professor ter que se colocar numa posição neutra, como faz o analista, só que essa neutralidade é impossível e até mesmo indesejável, tanto por parte da criança quanto por parte do professor. Cabendo como já exposto a Psicanálise ajudar os indivíduos que compõem a relação de ensino-aprendizagem e não ela em si.

No ultimo capítulo a autora esclarece e “amarra” todas as ideias apresentadas até o momento. “O que se espera é que ao final do conflito edipano, a investigação sexual caia sob o domínio da repressão. (...) Parte dela sublima-se em pulsão de saber, associada a pulsões de domínio e a pulsões de ver. (...) O desejo de saber associa-se com o dominar, o ver e o sublimar”. A pulsão de domínio está associada a curiosidade, e a pulsão de ver a observação, leitura, viajem.

A boa ou má relação que se dá entre alunos e professores sofre influencia, segundo Freud, dos sentimentos que a criança dirigia ao pai ao solucionar seu Complexo de Édipo, pois os educadores é que passarão a ser a “lei”, o que era antes exercício paterno. Esta relação que se estabelece é que faz com que o professor possa ser ouvido, que tenha uma importância especial e que acima de tudo, seja uma referência/influencia para o aluno. Esta influencia está mais ligada à moralidade e afetividade do que aos conteúdos cognitivos. Estabelecendo que o mais importante na perspectiva psicanalítica é o campo onde se estabelece o saber do que o saber em si.

A este campo chama-se transferência, e é por meio dele que se pode “atingir”, chegar ao sujeito aprendente ou se ter também grande dificuldade nesta tarefa. Pois para cada aluno o professor (não importa o sexo) símbolo do pai terá um significado, cabendo ao professor identificar essa representação para criar uma estratégia de um campo amistoso de aprendizagem, o qual se dificulta ao passo que se torna mais numerosa a sala e heterogênea socioeconômica e culturalmente:

“O professor torna-se então “depositário” de algo que pertence ao aluno. Em decorrência dessa “posse”, tais figuras ficam inevitavelmente carregadas de uma importância especial. E é dessa importância que emana o poder que inegavelmente tem sobre o individuo”.

Esse contexto é um dos apoios da autora/Freud para justificar que a junção da Psicanálise e a Educação é impossível, pois é somente o desejo do professor de sê-lo é que justifica que ele esteja ali, mas estando ali ele precisa renunciar a esse desejo e se “esvaziar” para saber que será a representação de uma pessoa que muitas vezes nem conhece, e toda sua fala e atitudes serão captadas pelo inconsciente da criança do lugar onde esta o colocou.

Outro apoio que fica bem claro na conclusão do livro sobre essa impossibilidade é que, qualquer metodologia pedagógica implica em ordem, estabilidade e previsibilidade e a Psicanálise implica no inconsciente, no imponderável, no imprevisto, no que se desvanece, no que escapa, sendo estas antagônicas:

“O educador que inspirar sua atuação na Psicanálise deve renunciar sua prática em atividades excessivamente programadas, instituídas, controladas com rigor obsessivo. Aprende que pode organizar seu saber, mas não tem controle sobre os efeitos que produz sobre seus alunos. Fica sabendo que pode ter uma noção, através de uma prova, por exemplo, daquilo que está sendo assimilado, naquele instante pelo aluno. Mas não conhece as muitas repercussões inconscientes de as presença e de seus ensinamentos, pensar assim leva o professor a não das tanta importância ao conteúdo daquilo que ensina, mas a passar a vê-los como a ponta de um iceberg muito mais profundo, invisível aos seus olhos. Pode-se dizer, por isso que a Psicanálise pode transmitir ao educador uma ética, um modo de ser e entender sua prática educativa”.

Prossegue orientando que o educador deve se apegar a compreender a subjetividade do aprendente, que não importa o que e como ensine, apreenderão o que quiserem e o que não servir jogarão fora, sem que isso se manifeste numa rebeldia consciente. Aceitará e fortalecerá essa rebeldia inconsciente pois sabe que esse é o motor para a sua posição na sociedade e liberdade. “O encontro com o que foi ensinado e a subjetividade de cada um é que torna possível o pensamento renovado, a criação, a geração de novos conhecimentos”:

“Esse mundo desejante que habita diferentemente cada um de nós, estará sendo preservado cada vez que um professor renunciar ao controle, aos efeitos de seu poder sobre os alunos. Estará preservado cada vez que um professor se dispuser a desocupar o lugar o lugar de poder em que o aluno o coloca necessariamente no inicio de uma relação pedagógica, sabendo que, se for atacado, nem por isso deverá reprimir tais manifestações agressivas. Ao contrário, saberá que estão em jogo forças que ele não conhece em profundidade, mas que são muito importantes para a superação do professor como figura de autoridade e indispensáveis para o surgimento do aluno como ser pensante. Matar o mestre para se tornar o mestre de si mesmo”.

A este professor, com tal orientação cabe permanecer “tranquilo, inteiro, consciente de seus poderes e limites, humilde e impotente frente a tarefa de ajudar outro ser humano a atingir seu mais radical compromisso com a vida: ser um individuo livre e produtivo”.

E mesmo com todo o exposto creio que a Pedagogia Waldorf tem grande inspiração psicanalítica ou grande relação com a Psicanálise, pois tem uma formação específica para os professores, os quais se apresentam mais “liberados” em sua rotina educacional; oferece cursos para os pais, entendendo que muitas vezes estes tem que não só resolver conflitos internos como experimentar situações novas; entende o sujeito e sua subjetividade formada pelo “eu”, entre outras questões. Assim creio que essa pedagogia atende em grande parte às expectativas da Educação para Freud.

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